Preservação ambiental
A espécie humana não tem outro planeta para habitar, a não ser a Terra. A vida em nosso planeta, em suas incontáveis formas – animais, vegetais e outras – e ecossistemas, está interligada. O ser humano não pode sobreviver se não preservar adequadamente as demais formas de vida e ecossistemas. Afetar o equilíbrio ecológico é pôr em risco a própria sobrevivência da espécie humana e de todas as demais. Além disso, a geração atual não tem o direito de destruir o hábitat das gerações futuras.
Preservação do ambiente não é incompatível com o progresso da atividade humana. Muito pelo contrário, cada vez mais surgem provas de que o desenvolvimento econômico com respeito pelo ambiente (o desenvolvimento sustentável) proporciona ganhos econômicos importantes.
Para preservação ambiental, a legislação internacional e nacional prevê diversos mecanismos, como unidades de conservação (UC), áreas de proteção ambiental (APA), áreas de preservação permanente (APP) e o licenciamento ambiental.
A proteção ambiental na Constituição do Brasil
A própria Constituição do Brasil cuidou de buscar equilíbrio entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental, em vários preceitos. Seu artigo 170, inciso IV, definiu a defesa do ambiente como um dos princípios da atividade econômica. No artigo 186, inciso II, a Constituição estabelece que a propriedade só atende à sua função social se usar adequadamente os recursos naturais e preservar o meio ambiente.
O artigo 225 contém diversas normas para preservação do ambiente, que considera como direito de todos, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Impõe ao poder público e à coletividade o dever de defendê‑lo e preservá‑lo para as presentes e futuras gerações.
Licenciamento ambiental
Licenciamento ambiental é um conjunto de procedimentos previstos na legislação para que obras e outras atividades com possível impacto ambiental sejam examinadas e, se cumprirem as normas, possam ser realizadas da forma que menos afete os ecossistemas e a vida. O licenciamento abrange fases como licença prévia (LP), licença de instalação (LI) e licença de operação (LO); para ele se realiza o estudo de impacto ambiental (EIA).
Diversos órgãos podem estar envolvidos no licenciamento ambiental, de acordo com os ecossistemas e atividades envolvidos. Podem ser órgãos municipais, estaduais ou federais, como o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Preservação da Biodiversidade).
Diversas normas no Brasil tratam de licenciamento ambiental. A principal delas, abaixo da Constituição, é a Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981, que define a Política Nacional do Meio Ambiente. Seus artigos 8.º, 10, 11, 12 e 17‑L tratam do tema. A lei atribui ao CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) competência para regulamentar os procedimentos de licenciamento.
No licenciamento, uma das tarefas mais importantes dos órgãos ambientais é detectar impactos ambientais negativos das atividades humanas e, quando cabível, estabelecer condicionantes para diminuí‑las. Elas impõem condutas à pessoa ou empresa interessada para que a atividade possa ser desenvolvida sem afetar o ambiente ou de modo a compensar o impacto ambiental.
A PEC 65/2012 arrasa a proteção ambiental
Em 13 de dezembro de 2012, o Senador Acir Gurcacz apresentou a proposta de emenda à Constituição 65. O texto da PEC 65/2012 é bem simples, mas devastador, em vários aspectos.
Acrescenta um § 7.ºao artigo 225 da Constituição, para dizer isto: “§ 7.º A apresentação do estudo prévio de impacto ambiental importa autorização para a execução da obra, que não poderá ser suspensa ou cancelada pelas mesmas razões a não ser em face de fato superveniente. (NR)”
Esse novo parágrafo pretende os seguintes efeitos:
a) autorizar imediatamente qualquer atividade com potencial negativo sobre o ambiente pela simples apresentação de estudo prévio de impacto ambiental (EPIA), independentemente de o estudo ser correto e suficiente e de ter sido pelo menos analisado, muito menos deferido, pelos órgãos competentes;
b) proibir que órgãos ambientais e até o Poder Judiciário impeçam o prosseguimento da atividade, mesmo que o estudo prévio tenha falhas graves e possa causar danos ambientais irreversíveis.
A PEC dormia no Senado Federal desde sua apresentação. Em 7 de março de 2016, o Senador Blairo Maggi apresentou parecer favorável na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal. Em 27 de abril de 2016, sem discussão com a sociedade nem com autoridades na área, a CCJ aprovou o parecer. Tanto a justificativa da PEC quanto o parecer aprovado na CCJ são extremamente sucintos e apenas afirmam que a proposta daria mais segurança aos empreendimentos, mas nada analisam de seus impactos sobre a proteção ambiental e sobre as consequências negativas dessa perigosa autorização.
Na prática, a PEC quase extermina o sistema brasileiro de proteção ambiental. Imagine‑se a construção de obra com enorme impacto ambiental, como uma usina hidrelétrica. Se a PEC for aprovada, bastará que a empresa interessada presente um estudo qualquer, mesmo incompleto ou inconsistente, e já poderá começar a obra. Além disso, o Judiciário e o Ministério Público não poderiam tomar nenhuma medida para suspendê‑la nem para anular o processo de autorização, por mais erros, riscos e danos que houvesse.
Facilmente se vê que a PEC atinge de forma direta diversas regras constitucionais, como o princípio da precaução e o direito a ambiente equilibrado. De acordo com o princípio da precaução (adotado há décadas em diversos países e objeto da declaração final da Conferência Eco‑92, no Rio de Janeiro, por exemplo), um dos mais importantes do Direito Ambiental, ante a possibilidade de danos ambientais importantes, mesmo duvidosos, devem‑se adotar medidas para evitá‑los. A PEC inverte esse raciocínio e autoriza empreendimentos que possam criar poluição e outras formas de dano ambiental, sem análise dos órgãos públicos nem possibilidade de medida preventiva.
A proposta de emenda também conflita com o princípio da vedação de retrocesso. De acordo com este, o legislador estaria impedido de retroceder no tratamento de matérias de impacto social relevante.
Ao impedir o controle do Ministério Público e os efeitos de decisões judiciais suspendendo ou anulando atos do processo de licenciamento, a proposta agride a divisão funcional dos poderes e o princípio da inafastabilidade da jurisdição, segundo o qual não se pode proibir um interessado de pedir medida judicial contra lesão ou ameaça de lesão a direito (artigo 5.º, inciso XXXV).
Se a proposta for aprovada pelo Congresso Nacional, ficará esvaziado todo o sistema nacional de proteção ambiental. Qualquer empreendimento com potencial poluidor poderá entrar em funcionamento de imediato, sem necessidade de estudo de impacto ambiental (já que o simples estudo prévio já será suficiente) e sem necessidade de licenciamento. O poder público terá de aceitar qualquer estudo prévio que lhe seja apresentado e estará de mãos atadas, por maior que
seja o dano ambiental iminente. O interessado passa a ter a possibilidade imediata de usufruir dos recursos naturais, mesmo destruindo‑os, exclusivamente em seu próprio interesse, sem considerar que, como determina a Constituição, são bens de uso comum do povo. Os órgãos ambientais não poderão exercer poder de polícia diante de abusos.
Não bastasse tudo isso, como se viu, o controle externo por parte do Ministério Público e a própria atuação do Judiciário estarão tolhidos. A inconstitucionalidade da proposta é gritante.
A lógica (ou falta de lógica) da PEC equivale a autorizar alguém a dirigir automóvel apenas por requerer habilitação ao órgão de trânsito, sem fazer nenhuma prova, a uma empresa farmacêutica vender medicamento apenas por pedir autorização à vigilância sanitária, ou a uma usina nuclear começar a ser instalada e funcionar logo depois de apresentar mero estudo prévio aos órgãos competentes.
Fonte: Wellington Saraiva